Resumo
A pesquisa A construção dos sentidos do trabalho pelos receptores dos meios de comunicação, foi realizada no período de 2002-2004, com o apoio da Fapesp. O objetivo da pesquisa é analisar a construção dos sentidos do trabalho pelos receptores dos meios de comunicação, inclusive dos meios de comunicação da empresa, e ver como o universo do trabalho contribui para que a recepção se configure na construção desses sentidos. O enfoque teórico toma a comunicação como processo de mediações e o pressuposto de que a comunicação na atualidade faz parte das forças produtivas, ou seja, foi incorporada pelo mundo do trabalho. Apóia-se para esta discussão nas Teorias de Comunicação, especificamente nos Estudos de Recepção, na Sociologia do Trabalho e na Filosofia da Linguagem, através da Análise do Discurso. A pesquisa empírica está estruturada no cruzamento de métodos quantitativos e qualitativos de levantamento de dados primários e em métodos qualitativos de recorte e análise de dados secundários, com os procedimentos da análise temática e do discurso do objeto recortado para estudo. A conclusão geral confirma a hipótese do mundo do trabalho como mediação da comunicação. Demonstra a importância do cotidiano no trabalho e da interação com os colegas de trabalho para a recepção dos meios de comunicação, inclusive da empresa. E mostra como a homogeneização das opções culturais feitas pelos receptores inviabiliza posições mais críticas em relação às mudanças no mundo do trabalho. Estas constantes mudanças causam os sentimentos de dúvida, medo, estresse, solidão e contrapõem-se aos sentimentos de realização, auto-estima, reconhecimento e bem-estar que o trabalho e a relação com o mundo do trabalho trazem. É uma relação dúbia e conflituosa. A falta de acesso a pontos de vista diferenciados não permite que o receptor tenha explicação para os problemas enfrentados no mundo do trabalho.
Objetivos
As pesquisas destinaram-se a analisar e compreender os sentidos do trabalho construídos pelos receptores dos meios de comunicação, tendo como mediação o mundo do trabalho. Em outras palavras, entender como os trabalhadores das duas empresas analisadas vêem o trabalho a partir das informações que obtêm dos meios de comunicação, inclusive os empresariais. Além disso, procurou-se ver como o próprio ambiente de trabalho contribui para confirmar ou negar essas impressões construídas pelos funcionários.
Outro objetivo foi o de questionar os conceitos teóricos propostos por Habermas, segundo os quais as relações de trabalho cederam lugar à comunicação na importância para a construção das relações sociais. Procurou-se demonstrar que a comunicação, na verdade, está incorporada ao trabalho, fazendo parte das forças produtivas e, por isso mesmo, o trabalho é fundamental para se compreender a sociedade contemporânea. Entender profundamente essa questão significa problematizar as mudanças que se deram nas últimas décadas e percebê-las como mudanças principalmente no âmbito das transformações do mundo do trabalho com a incorporação, em todas as etapas e todos os processos, do conceito comunicacional.
Do ponto de vista metodológico, a pesquisa tratou a comunicação de um novo lugar social, ou seja, do lócus onde se dão as relações de comunicação e a construção dos sentidos; propôs ainda a reflexão sobre as práticas metodológicas adotadas pelos Estudos de Recepção, destacando a pertinência do cruzamento de procedimentos quantitativos e qualitativos de investigação.
O leque de possibilidades abertas pelos Estudos de Recepção exigiu que tratássemos dos diferentes elementos envolvidos no processo de comunicação no mundo do trabalho. O material empírico para análise foi composto pelos dados do perfil das empresas e do perfil socioeconômico e sociocultural dos trabalhadores pesquisados; pelos discursos desses trabalhadores em situação de entrevista; pelos jornais e revistas da imprensa corporativa das empresas da pesquisa; e pelas matérias jornalísticas com os temas mais relevantes do ponto de vista dos trabalhadores e publicados pelos veículos de comunicação de massa de maior referência entre eles.
A pesquisa colheu, analisou e interpretou um conjunto de dados bastante amplo, que exigiu métodos de análise e interpretação específicos, cujos resultados foram apresentados.
Aspectos teóricos-metodológicos
O universo tomado como objeto de análise foi o conjunto dos empregados da BCP e da Siemens. A amostra foi delimitada por representatividade social, ou seja, uma amostra significativa do setor de tecnologia e serviços de telecomunicações. Uma unidade industrial de um grupo empresarial de tecnologia e outra, a sede de uma empresa de serviços de telefonia. De ambas, foram recortadas uma amostra de 10% do número de empregados, proporcional às diferentes funções na empresa, nas quais não foram incluídos cargos de direção. A amostra foi, então, observada sob dois aspectos: métodos quantitativos e métodos qualitativos, para que se possa ter uma visão mais próxima do universo do qual extraímos a amostra e também para que possamos traçar um mapa mais aproximado das opções de consumo cultural, bem como obter dados mais aproximados das possíveis mediações que atuam no processo de comunicação.
As técnicas utilizadas foram o questionário fechado, de múltipla escolha, tratado a partir da interpretação quantitativa dos dados. Nessa fase foram aplicados 160 questionários que permitiram que fosse traçado o mapa do consumo cultural dos funcionários de ambas as empresas. Posteriormente ao questionário fechado, foram realizadas, com uma amostra menor e significativa, entrevistas em profundidade, orientadas por um roteiro de perguntas abertas, com o objetivo de colher o discurso, a narrativa pessoal dos entrevistados relatando brevemente sua história, suas relações no trabalho, sua percepção das mudanças no mundo do trabalho e suas opções enquanto receptor dos meios de comunicação. Assim, foram selecionados 16 empregados com os quais foram realizadas as entrevistas em profundidade.
Simultaneamente às entrevistas foram coletados os veículos de comunicação corporativa e dos jornais e programas de mídia mais citados pelos entrevistados, para posterior análise.
Após as etapas de coleta de informações, foi feita a análise do discurso das entrevistas, bem como das mensagens dos veículos de comunicação, aos quais o mapa de consumo cultural indicou como mais presentes no cotidiano dos entrevistados.
Resultados
Ao fazer a opção por compreender as transformações no mundo do trabalho, partindo da afirmação de que a comunicação foi incorporada como parte das forças produtivas, conforme também está enunciado na introdução desta pesquisa, colocou-se a necessidade de tomar o mundo do trabalho como contexto de observação, como problema a ser estudado. Mas, em que acepção estudar o mundo do trabalho (da economia, da administração, da sociologia)? Na perspectiva da comunicação, na acepção dos estudos de recepção. O mundo do trabalho é tomado como lugar de mediações no qual o processo de comunicação se estabelece. Uma outra linha poderia ser adotada, por exemplo a investigação do quanto de processo comunicacional existe no mundo do trabalho além das relações interpessoais face-a-face, desde a incorporação de tecnologias, softwares às estratégias de persuasão para a organização e a gestão das relações no mundo trabalho. Mas não é este o objetivo desta pesquisa.
O recorte a que nos propusemos, orientado pelos princípios teóricos sinteticamente expostos aqui, permitiu, devido ao problema central enunciado, ou seja, quais os sentidos do trabalho para os receptores dos meios de comunicação, colocar o sujeito que está no mundo do trabalho como centro da pesquisa. Desta forma, o sujeito, receptor dos meios de comunicação, que interessa à pesquisa é o sujeito no contexto do mundo trabalho.
Aí está mais um eixo teórico da pesquisa, pois demanda responder como apreender este sujeito que está no mundo do trabalho do ponto de vista da comunicação. A linguagem verbal, através da análise do discurso, mostrou-se como a melhor indicação, visto que, nos permite refletir sobre a subjetividade e a conformação do sujeito social. É nas ciências da linguagem também que se vai encontrar a origem da discordância com os conceitos de Habermas. São, no fundamental, estes os aspectos teóricos que conformaram a pesquisa e vão orientar a abordagem metodológica.
No aspecto metodológico, recortou-se o universo da pesquisa, centrando-o em duas empresas cujos negócios estão vinculados diretamente à comunicação como tecnologias e serviços. Estudou-se o contexto de ambas empresas, no sentido, de propiciar a compreensão de quem são seus empregados e de como elas se organizam. Vale destacar como a própria pesquisa sofreu com um dos aspectos que aponta como característico das mudanças no mundo do trabalho, ou seja, a volatilidade das ações e das situações. Durante a pesquisa, a Siemens passou por nova reengenharia (apesar de a nomenclatura não ser mais utilizada, por ser considerada defasada). Toda a diretoria de recursos humanos foi reorganizada, passando a ter uma direção única para América Latina, com um diretor vindo da Argentina. O executivo que ocupava o cargo e fez carreira dentro da empresa foi convidado a aposentar-se e os seus ajudantes próximos que não se aposentaram foram demitidos. A direção da unidade Lapa da empresa, local onde realizamos a pesquisa, também foi mudada.
A outra empresa, a BCP, mudou tanto, que mudou de dono. Foi totalmente incorporada pela Telecom America e mudou inclusive de nome, passando a denominar a marca de Claro. O antigo diretor de recursos humanos também foi demitido embora, até a data do último contato, novembro/2003, seus assessores mais diretos permanecessem na empresa. Os veículos de comunicação e as políticas de comunicação durante as mudanças também mudaram. A responsável pela comunicação interna da ex-BCP não sabia dizer se a política de comunicação e os veículos seriam mantidos. E afirmou estar impossibilitada de fazer qualquer afirmação sobre como seriam as novas diretivas, mediante a solicitação de entrevista para a pesquisa.
Este é um retrato do mercado de trabalho. As mudanças de estratégias, as fusões e alterações no mercado são constantes, o que torna o espaço e a relação com as empresas nada estáveis. Imagine-se como não se sentem os empregados em um meio ambiente tão instável. Como nos disse um entrevistado, não é possível fazer planos sequer para o próximo mês.
O contexto de ambas empresas e os aspectos que foram ressaltados acima conformaram o recorte dos receptores centro da investigação, bem como do recorte dos veículos de comunicação das empresas escolhidos para análise.
A pesquisa de recepção foi feita a partir de duas formas de coleta de dados: questionário fechado para a fase quantitativa da pesquisa, com o objetivo de construção do perfil sócio-cultural dos receptores; e a fase qualitativa, com entrevista em profundidade, com uma amostra menor de entrevistados que participaram da fase quantitativa.
Paralelamente, recortou-se, no período da pesquisa, os veículos de comunicação das empresas, e realizou-se com eles análise do discurso. A partir dos resultados do perfil de consumo cultural, com o qual a fase quantitativa nos brindou, recortaram-se os veículos de comunicação mais citados pelos entrevistados, bem como recortaram-se estes veículos no período de realização da fase qualitativa da pesquisa e, posteriormente, selecionou-se, destes veículos, os temas que mais apareceram como preocupação dos entrevistados. O conjunto de objetos de estudo e o volume de informações armazenadas constituíram-se como desafio para a pesquisa e, certamente, poderão reverter-se em material para outros pesquisadores, contribuindo para o aprofundamento e ampliação dos resultados.
Publicações
Artigos publicados em periódicos (completo)
- FÍGARO, R. O desafio teórico-metodológico nas pesquisas de recepção. e-compós Revista da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, n. ago/2005, 2005.
- FÍGARO, R . Considerações sobre os resultados da pesquisa de recepção: a construção dos sentidos do trabalho pelos receptores dos meios de comunicação. Revista Latinoamericana de Ciencias de la Comunicación, São Paulo, v. 2, p. 138-148, 2005.
- FÍGARO, R. Crítica à ação comunicativa e à razão comunicativa: para entender a comunicação no mundo do trabalho. Revista de Economia Política de las Tecnologias de la Informaión Y comunicación, v. VI, n. n. 2, p. 54-64, 2004.
- FÍGARO, R. Reception study: the labor world as a communication mediaor. Corporate Communication an International Journal, West Yorkshire, England, v. 9, n. n.2, p. 104-117, 2004.
- FÍGARO, R. A comunicação no mundo do trabalho: da racionalidade comunicativa à racionalidade do consumo. ANAGRAMAS, RUMBOS Y SENTIDOS DE LA COMUNICACIÓN, Univ. de Medelin – Bogotá, v. n.4, n. enero-jun, p. 63-76, 2004.
- FÍGARO, R. Recepção da comunicação no mundo do trabalho: uma crítica à ação comunicativa. Ciberlegenda – número 9, 2002, site da Univ.Fedral Fluminense, v. 1, n. 9, p. 1-19, 2002.
http://www.uff.br/mestcii/roseli1.htm - FÍGARO, R. Estudo de Recepção: o mundo do trabalho como mediação da comunicação.. Revista Novos Olhares, São Paulo, v. ano 3, n. n .6, p. 38-51, 2002.
- FÍGARO, R. Comunicação e a mediação com o trabalho. Debate Sindical, São Paulo, v. ano 15, n. n.39, p. 33-335, 2001.
Livros publicados/organizados ou edições
- FÍGARO, ROrg.). Gestão da comunicação no mundo do trabalho, educação, terceiro setor e cooperativismo. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2005. v. 1. 166 p.
- FÍGARO, R. COMUNICAÇÃO E TRABALHO – ESTUDO DE RECEPÇÃO O MUNDO DO TRABALHO COMO MEDIAÇÃO DA COMUNICAÇÃO. 1. ed. SÃO PAULO – SP: ANITA/FAPESP, 2001. v. 1. 330 p.
- Capítulos de livros publicados
- FÍGARO, R. Comunicação no mundo do trabalho: instrumentalizando a razão comunicativa. In: Roseli Figaro. (Org.). Gestão da Comunicação no mundo do trabalho, educação, terceiro setor e cooperativismo. 1. ed. São Paulo: Atlas, 2005, v. , p. 105-116.
- FÍGARO, R. Sujeitos da comunicação no mundo do trabalho. In: Alberto Dines. (Org.). A mídia e os dilemas da transparência. 1 ed. Brasília: Banco do Brasil, 2002, v. 1, p. 74-82.