Baccega: “Jornalista não pode abandonar sua condição de cidadão!”

O jornalista, a equipe de jornalistas que faz um jornal que tem a sua voz comandada pelo dono, e concorda com isso, abriu a mão de ser cidadão.”

A frase, proferida em 2012 pela vice-coordenadora do CPCT, Maria Aparecida Baccega, no seminário As mudanças no mundo do trabalho dos jornalistas, continua bastante presente no contexto atual.

Professora livre docente da ECA-USP, ela foi responsável, entre inúmeras outras iniciativas, por criar e coordenar o curso de pós-graduação lato sensu em Gestão de Processos Comunicacionais.

Com um estilo direto e franco, Baccega era bem crítica quanto à postura dos estudantes do curso de Jornalismo: “Esses jovens entram na faculdade, e isso não é agora, sempre foi e agora deve estar pior, no sentido de estar mais evidente. Eles entram querendo apertar o botão. Eles entram com a ideia de que o [cineasta] Glauber [Rocha] disse que uma ideia na cabeça é uma câmera na mão. É verdade que o Glauber disse isso, mas quem era a cabeça do Glauber Rocha?

Por isso mesmo, ela acreditava que o processo de aprendizado não podia estar vinculado a uma questão meramente prática e funcionalista.

Mais que isso, há a necessidade de se dispor de uma visão crítica de como operam os meios de comunicação de massa.

Se você vai dar para eles [estudantes] algumas posturas, nas quais possam se firmar para entender um pouco a realidade, ainda que equivocadamente, vai mudando, ninguém tem uma posição única na vida.

Militante do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), era cética em relação à velha/tradicional relação patrão-empregado: “Eles [jornalistas] descobriram que é melhor ser a voz do dono do que ser dono da própria voz.

Companheira de Granville Ponce, que entre outras passagens atuou na revista Realidade, Baccega defendia a luta dos profissionais por melhores condições de trabalho e contra o processo de precarização, por sinal, cada vez mais acentuado.

Existe um lado que é a questão do mercado, do salário etc., acho que tem de brigar mesmo para mudar, agora existe um outro lado que é brigar para mudar essa gente também, porque essa gente, aliás é só ver quem é sócio do sindicato [dos Jornalistas]. Essa gente está realmente precisando de uns chacoalhões.

Confira a seguir o vídeo e a transcrição da íntegra do depoimento da professora Maria Aparecida Baccega, tão atual no momento em que os direitos trabalhistas, não somente para os jornalistas, estão em uma situação de expropriação como nunca antes vista no país e no mundo.

 

Esses jovens entram na faculdade, e isso não é agora, sempre foi e agora deve estar pior, pior no sentido de [estar] mais evidente. Eles entram querendo apertar o botão. Então, eles entram com a ideia de que o [cineasta] Glauber [Rocha] disse que uma ideia na cabeça é uma câmera na mão. É verdade que o Glauber disse isso, mas quem era a cabeça do Glauber Rocha? O que ele já tinha lido etc. etc. Isso é outra conversa. Então eles entram com essa ideia e ficam o curso [de Jornalismo] todo atrás disso. Se você vai dar para eles [estudantes] algumas posturas, nas quais possam se firmar para entender um pouco a realidade, ainda que equivocadamente, vai mudando, ninguém tem uma posição única na vida, pelo amor de Deus, mas que dê possibilidade a ele, por exemplo, ‘eu não entendo de política’. Bom, está certo. Você não prefere política, eu compreendo, cada um prefere uma coisa. Você não prefere política. Agora você tem de entender de política se você quer ser jornalista.

De um lado você tem, são freelancers, não sei o quê, a terceirização, aquela coisa… bom, isso é uma conversa. Então, existe da parte da produção. Agora existe da parte do jornalista também um abandono de sua condição de cidadão, sabe. Eles abandonaram a condição de cidadão. Eu acho que eles descobriram que é melhor ser a voz do dono do que ser dono da própria voz. O jornalista, a equipe de jornalistas que faz um jornal e que tem a sua voz comandada pelo dono, e ele concorda com isso – desculpa, mas eu acho –, ele abriu a mão de ser cidadão. Essa equipe faz uma determinada publicidade. Então, existe um lado que é a questão do mercado, do salário etc., acho que tem de brigar mesmo para mudar, agora existe um outro lado que é brigar para mudar essa gente também, porque essa gente está, aliás é só ver quem é sócio do sindicato [dos Jornalistas]… Essa gente está realmente precisando de uns chacoalhões.”

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