O trabalho em agências de comunicação: processos produtivos e densificação da atividade no jornalismo de rabo preso com o cliente

Autor: João Augusto Moliani

O trabalho em agências de comunicação: processos produtivos e densificação da atividade no jornalismo de rabo preso com o cliente

A tese foi desenvolvida com a finalidade de compreender a atividade de trabalho dos jornalistas que atuam em agências de comunicação. Pensamos que ao fazer isso jogaríamos um pouco mais de luz sobre essa atividade que emprega em torno de 50% dos profissionais que dizem trabalhar com jornalismo. E esta foi outra questão que nos moveu: a intenção de constatar como os trabalhadores reconfiguram as práticas e os valores da profissão no exercício da atividade fora das redações.

Para realizar a pesquisa unimos observações de campo, com coleta de materiais em agências de Curitiba (PR) e entrevistas com assessores/as, coordenadoras, gestoras e sócias. Também fizemos uma vasta pesquisa bibliográfica em diferentes áreas do conhecimento como Comunicação, Sociologia e Análise do Discurso. Nós buscamos as prescrições, os valores, as rotinas e as relações de comunicação que se estabelecem nessa atividade de trabalho a partir da observação e da manifestação dos jornalistas, cotejando-as com a literatura pertinente.

Acreditamos que conseguimos revelar como o jornalismo está presente na atividade dos assessores, tanto como ferramental para o exercício da atividade quanto como discurso que busca a sua inserção na comunidade de jornalistas. Constatamos que a assessoria de imprensa é tanto um termo quanto uma atividade em desuso, dada a insuficiência da imprensa e do jornalismo na disseminação de informações públicas na contemporaneidade. Essa perda de espaço se dá frente a tantas outras formas de produção e disseminação de informações proporcionadas pelas tecnologias de informação e comunicação (TICs). Conseguimos também relacionar a atividade exercida nessas agências com as transformações da sociedade global.

O assessor, também denominado atendimento, é um profissional que trabalha sentado em frente a um terminal de computador, exceto quando faz o acompanhamento de seu cliente em contatos com a imprensa ou participa de reuniões e eventos. Para isso, ele precisou desenvolver a habilidade de trabalhar com múltiplas telas, não apenas físicas, mas dentro do ambiente digital, alternado de uma para outra constantemente em busca de informações ou respondendo às demandas do trabalho, no que eu denominei de “efeito alt-tab”. Esse efeito, juntamente com o uso dos aplicativos de mensagens, contribui significativamente para a intensificação do trabalho nas agências.

Devemos considerar que esses aplicativos facilitaram o trabalho dos assessores que tinham dificuldade em contatar os assessorados ou ficam constrangidos em interrompê-los em suas atividades. No entanto, no dia a dia, há um aumento exponencial da produtividade em detrimento dos tempos mortos no trabalho e do tempo de vida desses trabalhadores. Em determinados momentos é como se houvesse um sequestro do trabalhador no próprio trabalho.

Pelo que se observou essa possibilidade de atendimento constante, independentemente de horário, é ofertado aos clientes como uma das vantagens que as agências de comunicação têm e que é encarado com certa naturalidade pelos assessores. Acreditamos que a figura do cliente seja a peça mais enigmática na definição do que é essa atividade de assessoria de imprensa atualmente. Ele assume ares divinais ao estar de modo onisciente e onipresente envolvido em toda a produção.

Em um primeiro momento é dele que partem as informações que vão embasar a produção “jornalística” da agência. Há até um estranhamento quando o cliente não assume ou realiza esse papel. O cliente também é responsável por dizer o que pode ou o que não pode ser utilizado, em termos de informações, editando e aprovando os textos produzidos pelos assessores. Não há, no jornalismo, correspondência a esse tipo de submissão. Por fim o cliente também ocupa o tempo livre dos atendimentos, sendo uma presença constante no cotidiano dessas pessoas que passam a buscar elementos que tornem possível a transformação do cliente em algo noticiável. A última barreira a ser derrubada para a total disponibilidade do assessor ao cliente é biológica e se refere ao sono, conforme constatou Jonathan Crary (2014) ao abordar o capitalismo tardio em que vivemos.

O trabalho dos jornalistas em agências de comunicação enfrenta um cenário de grandes perturbações envolvido em multifuncionalidade e polivalência. Cada vez mais é preciso dominar softwares, aplicativos e linguagens distintas para poderem manter a produção e suprir as necessidades de comunicação de seus clientes.

Quando avaliamos a atividade do assessor de imprensa a partir do trabalho, percebemos que ele se distancia da atividade jornalística. Não são os mesmos valores que regem uma e outra atividade. Há uma apropriação dos instrumentos técnicos do jornalismo, mas mesmo o uso dessas técnicas não é feito em acordo com o código deontológico. O interesse público e o direito à informação, por exemplo, são subsumidos ao interesse do cliente. E, com a entrada de novos atores no cenário comunicacional (influenciadores digitais), mesmo as características jornalísticas do trabalho, incluindo a questão da valorização institucional por uma comunicação não-mercadológica, estão perdendo espaço para a essencial valorização do cliente.

Assim, o que se faz na assessoria de imprensa não pode ser considerado Jornalismo, mas algo diferente, pertencente à da área da comunicação. E o profissional que nela atua está cada vez mais próximo do que a professora Maria Aparecida Baccega (2002) chamou de “gestor de processos comunicacionais”.

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