Privatizar para tornar “público”: uma análise do discurso sobre a privatização em jornais

Autor: Fernando Felício Pachi Filho

Nos anos 90, o Brasil passa por mudanças em seu modelo de desenvolvimento, com a retirada do Estado de atividades econômicas. Neste período, são realizadas as privatizações de empresas estatais, entre elas as de telecomunicações. Consideramos assim que o discurso sobre as privatizações constitui-se num lugar relevante para a observação da recente história brasileira. Neste trabalho, que toma como base princípios teórico-metodológicos da Análise do Discurso Francesa, tradição inaugurada por Michel Pêcheux, procuramos compreender o funcionamento do discurso sobre a privatização das empresas de telecomunicações na imprensa, tomando como corpus de análise textos dos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo. Nesse sentido, com o objetivo de observar como se estabelecem fronteiras discursivas entre “público” e “privado”, propomos inicialmente uma análise da nominalização “privatização”, que concentra a carga histórica de sinalizar um processo e uma mudança em direção a um outro modelo – privado – , bem como das diferentes designações – “desestatização” e “venda” para o mesmo acontecimento.

Analisamos também os deslocamentos na memória constituída entre “estatal”/“público”/“nação”. Se estas identificações foram possíveis, é porque elas têm como base uma memória que as constituiu, que as definiu e estabilizou ao longo da história. No discurso da imprensa, alimenta-se, porém, o imaginário de um passado que produziu efeitos negativos para a sociedade, devendo, portanto, ser rejeitado e negado em sua continuidade. Como conseqüência, promove-se uma construção imaginária do futuro, em que há benefícios para todos e sem vínculos com o passado, numa prática discursiva que visa instalar a privatização como marco simbólico de um período de prosperidade. Esta gestão do tempo histórico produz uma linha de continuidade entre presente e futuro e uma ruptura entre passado e presente. Há, portanto, uma trajetória na qual se operam deslocamentos na relação “estatal”/”público”/”nação”, considerada ultrapassada, e que aponta para uma concentração de sentidos positivos no “privado”, relacionado ao futuro, à modernidade e à construção da cidadania. Assim, a tomada de posição privatista dos jornais analisados tenta cristalizar o sentido de “privado” como algo benéfico, atraindo para si igualmente o sentido anterior de “público”, que se refere à construção do bem comum, e rejeitando formações que visam manter a memória entre “estatal”/ “público”/ “nação”.  Assim, neste discurso, “privado” é base para formação de “público”.

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